terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Trechos de Plínio Salgado (1934)


Nossa Pátria nasceu da confraternização das raças, das grandes núpcias históricas que fundiram numa só aspiração e num só sentimento as três humanidades. Daí, talvez, a origem do temperamento brasileiro, do nosso gênio hospitaleiro e meigo, pacífico e bondoso; da nossa sensibilidade lânguida e doce; dos nossos costumes suaves, da nossa capacidade para o sacrifício. Deu-nos a conquista da terra o hábito da luta, o destemor dos perigos, a coragem persistente; porém, a fusão das três raças iniciais ensinou-nos o amor da humanidade, e de tal modo ampliou a nossa possibilidade de amar, que, diante desse sentimento, ruíram todos os preconceitos, todas as prerrogativas, como deixaram de existir todos os ódios. Povo criança, não conhecemos ainda os rancores que separam as nacionalidades velhas e criam antagonismos de cultura e choques permanentes de doutrinas, de religiões ou de política. Estamos na nossa infância, e, ao olharmos para a nossa brava história, sentimos a mesma origem de sofrimentos, e verificamos que todo o nosso patrimônio custou o esforço comum dos nossos antepassados. Nada nos separa. A nossa geografia, escreveu-a o branco, com nomes indígenas, e consolidou-a com o suor do negro. Nosso idioma foi amaciado e reuniu cabedais de expressões oriundos da selva americana e das florestas da África. O nosso apego à terra é tão forte, no extremo Amazonas, onde o tapuia contemplativo ouve o segredo cochichado das Iaras e da Cobra-Grande, quanto no extremo do pampa, onde gaúcho galopa a sua inquietude no rastro luminoso dos boitatás das coxilhas. As populações pastoras de Minas Gerais, o garimpeiro do Araguaia, o homem do café ou da erva-mate, os que trotam tangendo tropas em longas estradas, ou se conduzem ao ritmo longo dos remos nas canoas dos largos rios, - nós bem o sentimos, - possuem a mesma alma, porque misteriosas forças, que vieram desde as primeiras transfusões de sangue, trabalham, sem o percebermos, pela unidade do espírito brasileiro. (págs. 88 e 89)

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O isolamento da América do Sul é um fato incontestável durante os cem anos últimos. A Europa e a América do Norte trataram-nos como a um comensal incômodo, um intruso no convívio das grandes Nações.
Por mais que se queira provar o contrário, o desprezo que temos sofrido corresponde a um escorraçamento sistemático. Terra de negros, de mestiços, de caboclos, nunca a Europa nos levou a sério. A atitude dos velhos países, em relação a nós, foi sempre de desdém profundo, a ponto de ignorarem, os homens mais cultos, a nossa geografia. Fomos tratados como parentes pobres, como compadres da roça, embasbacados ante as maravilhas do compadre da cidade. Fomos olhados com a ironia com que se olham os imitadores ridículos, os plagiários e falsificadores de objetos autênticos. (pág. 112)

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Só uma espécie de gente nos conhecia na Europa: os banqueiros. Esses garantiam que não éramos uma fantasia geográfica, porque um argumento lhes falava bem alto: os juros que pagávamos, trabalhando como escravos. (pág. 113)

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SALGADO, Plínio. A Quarta Humanidade. 5ª edição. Prefácio de Cláudio De Cicco. São Paulo: Edições GRD, 1995; XVIII + 115 págs.

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