sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

"DIREITAS" E "ESQUERDAS" (1946)


Plínio Salgado

A sangrenta heresia do comunismo não se combate também contrapondo-lhe a chamada reação das "direitas". A concepção de "esquerdas" e "direitas" no domínio político é uma concepção do século XIX, o século que deu começo consciente à chamada "luta de classes", baseada no antagonismo entre o capital e o trabalho.

É preciso dizer-se que não foi Marx quem concebeu o mundo dividido em dois campos de interesses materiais antagônicos; foram os chamados liberalistas. Quebrada a concepção espiritualista da sociedade, estabeleceu-se a luta entre os agrupamentos políticos, assim como a luta entre os agrupamentos econômicos, aqueles regidos pelas múltiplas ideologias contraditórias e estes pela lei da oferta e da procura. No campo econômico, os produtores de mercadorias, com o fim de vendê-las em melhores condições e mais barato do que os seus adversários, tiveram necessidade de usar de dois expedientes: aumentar a eficiência das máquinas e baixar o custo da mão de obra. O trabalho humano foi considerado uma mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura, perdendo toda a nobre significação e espiritualidade que lhe imprimia o cristianismo. Tornando-se as máquinas mais aperfeiçoadas, de modo a uma só produzir por centenas de homens, o trabalho humano tornou-se uma mercadoria menos procurada e, portanto, mais barata. As consequências na vida individual e familiar eram evidentes: aumentou a pobreza dos operários enquanto avultava a riqueza dos grupos financeiros e das nações industriais.

Essa situação gravíssima vem pintada com realismo cru na encíclica Rerum Novarum, do Santo Padre Leão XIII, nos fins do século XIX. Foi dentro de tal situação que o Manifesto Comunista de 1848 lançou o brado: "operários de todo o mundo, uni-vos!" Esta a luta impropriamente denominada "do capital e do trabalho", porque na verdade o marxismo não pretende suprimir o capital como soma de trabalho acumulado, mas apenas como privilégio de indivíduos ou de grupos, passando, entretanto, o capital para as mãos do Estado, que se torna o único patrão e que exerce as funções dos antigos capitalistas, substabelecendo os seus poderes a favor de uma burocracia, o que vem, em última análise, recompor a situação anterior do predomínio de uma classe. Economicamente a verdadeira luta do comunismo é contra a propriedade familiar, já que a revolução dialética precipita as etapas da evolução capitalista, atingindo o grande monopólio do socialismo de Estado, forma em que se completam todos os monopólios de grupos, que também atentam contra o princípio da pequena propriedade, base física da família, e propulsionando a crescente proletarização das massas, razão pela qual foram condenados pela encíclica de Leão XIII e, em nossos dias, pelas de Pio XI e Pio XII.

Mas, para armar ao efeito, o marxismo diz lutar contra o capital e contra o chamado "imperialismo econômico" das nações favorecidas pelo maior acúmulo dos meios de produção. Esse cartaz deu à batalha social um caráter de internacionalismo. Influindo no mundo político, gerou a concepção de "direitas" e de "esquerdas", entendendo-se por "esquerdas" tudo aquilo que favorecia o desenvolvimento da revolução, pelo que se incluiu na linha do "esquerdismo" os chamados "reformistas", constituídos pelos liberais avançados, pelos socialistas moderados, pelos burgueses progressistas, enfim pelos transacionistas de todos os credos políticos fundados no indiferentismo religioso ou num cristianismo de elástica transigência.

Hoje, entretanto, já não se pode dizer que existam "direitas" e "esquerdas". Essa manobra tática do marxismo não ilude mais a ninguém. O nazismo, por exemplo, foi considerado por muitos um movimento das "direitas", mas a sua base filosófica era a mesma do comunismo, pois partia de uma concepção meramente biológica do homem e de nítido conceito materialista da crítica histórica e os seus fins identificavam-se com os do comunismo, pela ereção de um Estado Totalitário destruidor da personalidade humana. As chamadas democracias poderiam ser tomadas como expressões das "direitas" colocando-se num campo antagônico ao totalitarismo soviético, mas essas democracias além de serem agnósticas, isto é, não considerarem os problemas do Espírito, fundam-se no mesmo princípio doutrinário da transformação social segundo o ilimitado processo dialético de Hegel adotado pelo marxismo, porque subordinam os tipos de Estado e de Governo, as formas sociais e as normas jurídicas, não ao critério de uma imutável concepção dó mundo e das leis imprescritíveis da moralidade impostas por Deus, mas ao critério aritmético das maiores somas de votos, o que leva as ditas democracias a negarem-se a si mesmas nas consequências dos atos eleitorais.

Temos, assim, uma nova forma de totalitarismo, — o totalitarismo das democracias agnósticas, totalitarismo despótico das massas, cujo peso quantitativo manobrado por hábeis técnicos da formação da opinião pública e pelo poder do dinheiro, conforme salientou o Santo Padre Pio XII, atenta contra os direitos do Espírito e contra todo o princípio moral, nada impedindo que pela força das massas majoritárias sejam os fundamentos da Religião e os próprios princípios da liberdade postergados e suprimidos. Fica assim também provado que a democracia clássica do tipo de Rousseau não é um instrumento idôneo de defesa do gênero humano contra a calamidade comunista.

O mundo, como se vê, não pode hoje ser considerado sob o aspecto de "esquerdas" e "direitas", mesmo porque apreciáveis multidões de operários se arregimentam em muitos países para combater o comunismo, enquanto homens ricos, burgueses engravatados se alinham na corrente do marxismo revolucionário, que lhes faculta a liberdade aos baixos instintos e aos costumes degradantes de traficâncias indecorosas e um sexualismo sem freios.

A questão está hoje posta nos termos do "espiritualismo" e do "materialismo". Hoje, não se é mais econômica ou politicamente da "direita" ou da "esquerda"; é-se espiritualista ou materialista. Crer ou não crer em Deus, eis a questão. O mundo está dividido entre os que creem e os que não creem em Deus. O comunismo não é uma política, é uma mística às avessas, uma concepção antirreligiosa do universo. É o mundo sem Deus. E o totalitarismo mais completo, o maior de todos, conforme disse, com muito acerto, o Padre Leonel Franca. O mais completo, porque contém em si todas as formas particulares dos outros totalitarismos. O maior, porque não se restringe aos limites de uma nacionalidade, mas alarga-se por todos os continentes aspirando o monopólio das almas e a escravidão dos povos.

Explorando diabolicamente os justos ressentimentos históricos das classes sofredoras, fazendo as mesmas críticas que fazemos das injustiças e desumanidades do capitalismo, tudo promete aos homens, usando de artifícios e de mentiras. "Assim se hipnotizam as massas", escreve o Padre Leonel Franca, "se mobilizam as energias religiosas da alma a serviço de uma ideologia ateia. Fé e esperança, dedicação e sacrifício, amor da justiça e da liberdade, todo esse patrimônio de riquezas humanas, que só tem valor numa ordem ontológica de realidades espirituais, são exploradas para acelerar a implantação de uma nova concepção de vida que as declara ficções sem conteúdo e abstrações malfazejas".

A grande heresia do século, a heresia do ateísmo militante, só pode, portanto, ser combatida, pela religião militante. Essa religião de combatentes é exatamente aquela que constitui o objeto do ódio mais feroz do marxismo: a religião de Cristo, a única religião da terra cujo senso de realismo social traz consigo a marca da sabedoria divina.


SALGADO, Plínio. Primeiro, Cristo! 4ª edição. São Paulo/Brasília: Voz do Oeste/INL-MEC, 1979; XVIII + 175 págs. Transcrito das págs. 45 até 49.

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