domingo, 10 de março de 2024

Comandando homens livres (23/05/1937)

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Comandando homens livres (23/05/1937)

Plínio Salgado

Desde ontem, realiza-se em todo o Brasil o plebiscito promovido pela Acção Integralista Brasileira, para que os camisas-verdes se manifestem sobre o nome de sua preferência a ser indicado ao sufrágio da Nação.

Esse comício eleitoral interno terá a duração de quarenta e oito horas, encerrando-se na noite de hoje. Reservo-me para falar aos integralistas na hora do encerramento, às 23 horas, pelo microfone da Rádio Sociedade Fluminense, em conjunto com a Rádio Transmissora do Brasil, desta capital, com a Radio-Club de Petrópolis e a Cruzeiro do Sul, de São Paulo.

Naquele momento, direi aos integralistas e à Nação as palavras necessárias e indispensáveis ao esclarecimento dos espíritos conturbados ou iludidos pelos falsos pregoeiros da democracia.

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Nestas colunas eu quero me dirigir aos camisas-verdes, que estão levando os seus votos aos Núcleos integralistas do país. Quero lhes dizer que a minha alegria hoje é imensa, porque estou sentindo esta coisa que nenhum político do meu país pode sentir: eu comando homens livres!

Um homem público não pode ter maior prêmio, não pode aspirar uma glória maior. Sinto-me plenamente pago de todo o esforço de quatro anos de atividade evangelizadora e de organização do único partido nacional do Brasil.

Existe uma consciência integralista. Existe uma corrente volumosa de brasileiros que já não segue homens, porém uma doutrina. Uma corrente de opinião que tem verdadeiramente opinião sobre os problemas nacionais.

Não jogo com figuras de retórica: jogo com realidades. Quando digo "a opinião dos integralistas", sei que estas palavras não são vãs, para discursos de banquetes ou orações de plataformas. Elas exprimem, não uma verdade ideal, mas uma verdade concreta. O que era um pensamento no cérebro dos primeiros doutrinadores, tornou-se um fenômeno evidente, um fenômeno social que só os loucos poderão negar ou desconhecer.

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A existência dessa "opinião" é que me levou a determinar se realizasse este plebiscito. A coletividade Integralista não precisa de tutores. Adquiriu maioridade. Afirmou-se em capacidade deliberativa. Seu guia é uma doutrina. Sua opção decorre do conhecimento e do sentimento dessa doutrina.

Nenhum interesse material ou de qualquer outra natureza subalterna reúne esses homens de camisa-verde.

Todos eles são independentes. Não precisam de mim, nem das autoridades do seu Partido para coisa alguma. Em vez de lhes dar qualquer coisa, exijo deles todos os sacrifícios. Em troca desse sacrifício, esses brasileiros recebem, muitas vezes, como prêmio, as perseguições dos bolchevistas ostensivos ou encapotados, que ainda têm força e prestígio neste país.

Homens e mulheres assim, que, espontaneamente, num ato de liberdade, juraram seguir este nosso caminho, fiéis à doutrina que professamos, podem realmente dizer que são livres.

Se eu não comandasse criaturas livres, não iria perder tempo ordenando a realização de um gigantesco e comovente comício eleitoral, a fim de que cada um viesse dizer claramente, ostensivamente, como deseja que se resolva este caso da apresentação do nome do nosso candidato à presidência da República.

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Poderiam fazer isso os chefes dos partidos regionais que infestam este país?

Evidentemente que não, porque para se fazer isso é necessário, antes de tudo, esclarecer as consciências, através de uma doutrinação continua. Foi assim que procederam os partidos? Não; eles só procuram os seus eleitores nas vésperas de eleição. Durante todo o ano esses partidos não publicam, já não digo livros, como nós fazemos, nem mesmo algum folheto elucidativo do programa que eles têm em vista realizar. O povo ignora completamente o pensamento filosófico ou sociológico dos chefes de partidos. Também os chefes de partidos ignoram qualquer coisa sobre o estado de consciência em que se encontra o povo. O seu sistema de aliciamento é o das engrenagens dos interesses administrativos, que vão da órbita provincial à área municipal, com as algemas dos empregos e os instrumentos de suplício das perseguições.

Como, pois, consultar esses eleitores? A maior parte deles está minada pela doutrinação integralista, e se fosse responder, no caso impossível de lhe ser facultada liberdade, a resposta não agradaria aos chefes de partido...

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Só, portanto, a coletividade integralista pode realizar um plebiscito, como o que se efetua desde ontem, e ao qual comparece cada um dos camisas-verdes para dizer sem medo o que pensa.

O camisa-verde é livre porque se esclareceu a respeito dos problemas nacionais e não pode ser ludibriado por ninguém. O camisa-verde é livre porque sabe que a doutrina integralista vai buscar o fundamento do seu conceito de Estado forte e deliberativo no próprio livre-arbítrio do homem. O camisa-verde é livre porque ninguém o obrigou a entrar para o Integralismo. O camisa-verde é livre porque coisa alguma lhe poderá acontecer se ele, por ordem do Chefe, manifesta livremente a sua opinião, acerca de qualquer assunto sobre o qual é chamado a se pronunciar. O camisa-verde é livre porque o Chefe foi escolhido por ele, e não imposto, como acontece nos partidos em que meia dúzia de dirigentes faz o que bem entende. O camisa-verde é livre porque, quando o Chefe tem diante de si os problemas máximos do Movimento, chama um por um dos integralistas para que dê a sua opinião.

Uma coisa apenas exijo durante a realização deste plebiscito: a mais plena liberdade.

Que cada um dê o seu voto livremente, espontaneamente.

Que cada um, dando o seu voto, experimente a íntima alegria que a outros brasileiros não lhes Ilumina o coração. A alegria da liberdade em exercício pleno. A alegria da vontade em deliberação efetiva. A alegria da dignidade em afirmação. A alegria da personalidade em consciência. Do sentimento sem peias. Da inteligência engrandecida. Do caráter assumindo uma atitude. Da alma traçando uma decisão.

Porque isso, para mim, é comandar homens livres.

E esse é o meu modo de chefiar.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 23 de Maio de 1937.


sexta-feira, 8 de março de 2024

CERTEZA DE DIREÇÃO (11/05/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

CERTEZA DE DIREÇÃO (11/05/1937)

Plínio Salgado.

O prestígio do Integralismo neste instante procede de um fato que ninguém poderá negar: a sua linha impecável de coerência política.

A Nação Brasileira tem sido testemunha dessa uniformidade de atitudes, que revela, no Movimento do Sigma, uma unidade doutrinária absolutamente singular no panorama partidário do país.

Nunca nos, afastamos um milímetro do documento inicial com que nos apresentamos perante a Nacionalidade: o "Manifesto de Outubro".

Basta apreciar, uma por uma, as nossas sucessivas posições em diferentes fases do nosso drama político. Só os desonestos poderão sofismar sobre as diretrizes que temos adotado em face dos acontecimentos. Não haverá homem de bem que possa apontar uma única falha na orientação segura desta marcha integralista.

É que não defendemos homens e, sim, princípios. Não nos interessam os partidos e, sim, as ideias que eles porventura pudessem condicionar. Não procuramos cargos, proventos, prestígios ou proteções oficiais; o que ofertamos à Nação, na hora da construção serena ou dos perigos iminentes, ofertamo-lo de graça, porque ela precise ou mereça, e não estendemos a mão aos detentores do Poder, a reclamar alvíssaras e propinas a que estão habituados os "patriotas" de ocasião.

Assim sendo, não estamos com pessoa alguma, por mais poderosa que seja, ou mais contemplada pelo vaticínio dos hierofantes como próxima herdeira dos conchavos que se processam à revelia do Poro.

Estamos com a nossa doutrina. Da nossa doutrina não sairemos, porque sem ela já não é possível servir ao Brasil.

Enganam-se quantos julgarem que nos alimentamos de lisonjas e que, inebriados por louvores cálidos, sacrificaremos a nossa linha de coerência doutrinária, que se afirma, principalmente, pela Unidade da Pátria e pelo princípio da autoridade do Estado.

Quem estiver com a Nação estará conosco: quem trair a Nação será nosso adversário. Entendemos Nação tudo o que supera os interesses estanques dos regionalismos e os arbítrios isolados dos governadores. No mapa do Brasil não concebemos fronteiras internas. Podemos considerar, quando muito, as linhas marcantes de circunscrições administrativas, nunca, porém, os limites de antagonismos políticos ou as bases territoriais das transações nefastas ao princípio da Unidade Nacional.

Esta doutrina não é de hoje. Desde o "Manifesto de Outubro" de 1932 ela se tornou largamente conhecida em todo o país. Em janeiro de 1936, concretizamo-la nas linhas do "Manifesto-Programa", aplicando-a no plano das transformações objetivas.

Todo aquele que pregar pontos dessa doutrina, estará prestigiando parcialmente, ou totalmente, o Integralismo. E quem assim o fizer não se diminuirá aos olhos da Nação, antes crescerá, porque a consciência brasileira está hoje convencida de que não há salvação fora do Sigma.

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O fato do Integralismo se sentir apoiado através de alguns de seus postulados, por estes ou aqueles brasileiros portadores de altas patentes militares ou altas credenciais no governo do País, não significa adesão dos camisas-verdes a quem quer que seja e por mais patriota e digno que seja. Porque tudo neste mundo é suscetível de aderir: menos uma doutrina. A inteligência, livre e esclarecida, pode aderir a uma doutrina; mas uma doutrina não pode aderir à mais poderosa inteligência humаnа.

Nestas condições, o Integralismo não será subsidiário incondicional de qualquer governo, embora esteja sempre disposto a prestigiar, feitas as necessárias reservas doutrinárias, o governo que se manifeste interessado em defender certos princípios coincidentes com as linhas puras do pensamento de Sigma.

A prova disso tem sido a colaboração que temos dado, desinteressadamente, ao Governo Federal, no combate a comunismo e na sustentação do princípio da Ordem baseado na autoridade – que desejaríamos sem contraste - do Poder Central.

A perfeita compreensão dessa atitude do Integralismo por parte do sr. presidente da República tem sido evidente. Sabendo que conta conosco nas emergências em que estiver perigando a Nação, s. excia. jamais nos insinuou, ainda que de leve, a possibilidade de uma colaboração de nossa parte nessas combinações políticas em que falam os mais variados interesses, menos o interesse da Pátria.

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O problema da sucessão presidencial que se resolve, fora do Integralismo, entre governadores, à revelia do povo, à revelia mesmo dos eleitores dos partidos estaduais, será resolvido nas fileiras verdes da maneira mais democrática possível.

Com o nome saído dos comícios plebiscitários, compareceremos ao pleito presidencial. Iremos sozinhos. Lutaremos sozinhos, Sustentaremos sozinhos a nossa doutrina, os nossos princípios.

Seremos uma voz clamando pela Unidade Nacional, pelo fortalecimento do Poder Central. Não Importa saber quem assumirá o Poder Central, Baseamo-nos num princípio de Ordem e de Defesa Nacional. Seremos uma voz clamando pela mística da Pátria. Esse exemplo há de servir para as gerações futuras. E o Integralismo terá cumprido o seu dever na História.

Vencedores, executaremos nosso programa, que não foi engendrado de afogadilho ao rumor da cabala, mas foi publicado em janeiro do ano passado. Vencidos, daremos ao Poder que se constituir -seja ele qual for -, o mesmo apoio nos pontos pacíficos de doutrina, que temos dado sem compromissos políticos, ao governo atual. Para isso, não exigimos compensações, nem cargos, nem posições eminentes: exigimos apenas as legítimas liberdades que nos competem mediante o cumprimento da Constituição e das leis. Porque dentro de normas pacíficas pretendemos desenvolver a propaganda de nossas Ideias e conquistar o Brasil para os brasileiros.

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Essa atitude doutrinária do Integralismo tem nos valido sacrifícios dolorosos em Estados onde os governadores enxovalham a Constituição e as leis. Temos preferido as longas e exasperantes marchas dos processos através das instâncias judiciárias e das diversas alçadas do país, durante cujas formalidades suportamos o tripudio da coação sobre o Direito, a adotarmos remédios facílimos e rápidos, cuja eficácia a nossa força numérica e material assegura. Não é por medo ou insuficiência de meios que assim nos temos conduzido, mas porque destarte procedendo, firmamos, na prática, a nossa doutrina, que nos manda reclamar perante a Justiça enquanto houver Justiça e confiar na Lei enquanto houver Lei.

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Esse modo de agir está conforme os nossos gestos em instantes graves de ameaça do bolchevismo contra o Brasil. O Governo Federal sabe e altas patentes militares o atestam, de público, dos serviços que temos prestado à Ordem. O telegrama que passei ao sr. presidente da República, em novembro de 1935, oferecendo-lhe cem mil camisas-verdes, para a luta do Brasil contra a Rússia, não deixa dúvidas a esse respeito. Era e é sem compromissos políticos de espécie alguma a nossa colaboração com a Autoridade Nacional na defesa da dignidade da Pátria.

E ainda naquele momento não éramos nós que aderíamos; tratava-se, bem analisando, de uma resposta digna e leal a um governo que, assumindo atitude enérgica e firme contra o Soviete, instantaneamente consagrava como norma de conduta um dos postulados que vínhamos defendendo desde 1932.

De acordo com os princípios norteadores de nossas atividades educacionais, temos emprestado todo o prestígio à obra da Liga de Defesa Nacional, da Liga Naval Brasileira, do Ministério da Educação, quando essas entidades comemoram grandes vultos e grandes datas da Pátria. Idêntica atitude temos adotado em relação ao Aero-Club do Brasil e a entidades cívicas do gênero do Centro Carioca. E isso não quer dizer que tenhamos aderido a nenhum dos promoventes desse culto; encontrando-os em nosso caminho, estendemos-lhes lealmente a mão.

Tudo, pois, evidencia que daremos sempre o nosso apoio àqueles que exaltarem princípios contidos em nossa doutrina. Esse apoio não envolve nenhum compromisso além do inerente ao objeto doutrinário em apreço.

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O Integralismo e os integralistas estão livres de qualquer peia de compromissos políticos. Todo o seu dever de juramento é para com a sua doutrina.

Tudo o que estiver dentro da nossa doutrina será apoiado. Tudo o que estiver fora dela será combatido.

Que cada Integralista traga no bolso um "Manifesto de Outubro" e um "Manifesto-Programa"; e quando lhe perguntarem com quem nós estamos, exiba aqueles impressos e afirme: "estamos com estes documentos".

A limpidez dessa linha de conduta é única na História do Brasil. Mais tarde, muito se falará desse grande fato histórico.

De facto; nada é mais belo no Brasil do que este movimento que exprimiu, numa hora triste de interesses mesquinhos, traições, perfídias, hipocrisias, mentiras, engodos, velhacarias, patifarias, comodismo, oportunismo, - a glória de uma orientação segura e de uma eloquente honestidade.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 11 de Maio de 1937.

terça-feira, 5 de março de 2024

Estado de guerra e liberdade eleitoral (29/04/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Estado de guerra e liberdade eleitoral (29/04/1937)

Plínio Salgado

O ato do Governo Federal transferindo do sr. governador Flores da Cunha para o sr. general comandante da 3ª Região Militar os poderes de execução do "estado de guerra" não deve e não pode ser considerado no seu aspecto local ou segundo quaisquer circunstâncias especiais. Neste momento, devemos desse ato tirar algumas conclusões da maior oportunidade, referentes ao próximo pleito a ferir-se para a sucessão presidencial da República.

Preliminarmente, pergunta-se: as eleições de Janeiro próximo vão ser conduzidas por partidos nacionais sem nenhuma ligação com os governadores de Estado?

Em seguida, indaga-se: pode haver eleição sem os atos preparatórios da propaganda eleitoral?

A primeira pergunta, respondemos pela negativa. As correntes políticas em esboço para o pleito presidencial obedecem ao critério da "aliança" dos governadores de Estado. Alguns governadores se unem contra outros governadores. Só existe um partido nacional, que é o Integralismo, e esse não é visto com bons olhos pelos dois grupos de governadores.

Respondendo à segunda pergunta, diremos que não será possível haver eleição se não houver propaganda, pois o voto não é apenas o ato material de depositar uma cédula na urna, mas também ato moral da deliberação anterior, precedido do ato intelectual do estudo das candidaturas, sendo este ato impossível sem os "dados" fornecidos pela propaganda. Por conseguinte, serão nulas as eleições no Estado onde a propaganda não for livre, em todas as suas manifestações exteriores.

Respondidas essas duas perguntas, formulemos outras.

Se os governadores de Estado pertencem a um partido estadual, por eles próprios, formal ou virtualmente conduzido às urnas, podem eles, sem graves ameaças à liberdade do seu adversário, estar armados de poderes excepcionais que desconhecem toda e qualquer garantia constitucional, sendo dentro dessas garantias que se torna possível o exercício dos direitos políticos?

A resposta clara e já famosa está na atitude do sr. governador da Bahia, em relação ao Integralismo, atitude, em menores proporções, seguida pelos governadores do Paraná e do Espírito Santo. Naqueles Estados encontra-se um partido nacional impedido de exercer livremente a propaganda, sob o pretexto da sua inconveniência durante o "estado de guerra".

E, se nos objetarem que existem remédios jurídicos para o caso, argumentaremos com os seis meses de prisão que sofreram os Integralistas da Bahia, no desenrolar de um processo propositadamente demorado, até que o Tribunal de Segurança Nacional pôde decidir em face dos autos. E argumentaremos ainda com algumas decisões de Tribunais Regionais que deixaram de tomar conhecimento de pedidos de mandado de segurança, sob o pretexto de estarem suspensas todas as garantias durante o "estado de guerra".

Como, pois, realizarem-se as eleições presidenciais, se os governadores de Estado, no exercício da execução do "estado de guerra", sob qualquer pretexto, podem fechar sedes de partidos legitimamente registrados, acusar qualquer cidadão, detê-lo, prolongando o desenrolar do inquérito, ao talante dos interesses do partido situacionista estadual?

Como será possível o próprio alistamento eleitoral, se sob qualquer alegação podem os arquivos e fichários dos partidos em desagrado ser arrecadados em devassas policiais?

Estas reflexões são oportunas, no instante em que o Governo Federal transfere os poderes de execução do "estado de guerra", das mãos do sr. governador do Rio Grande do Sul para as mãos do Sr. general comandante da 3ª Região Militar. Não queremos entrar na análise da situação política rio-grandense. Queremos deixar levantada uma tese para a consideração do sr. Presidente da República, do Poder Judiciário e do Poder Legislativo do país. Que os estudiosos debatam este assunto. Que os juristas digam à Nação se no caso dos partidos situacionistas estaduais, que apoiam o governador do Estado, tomarem parte nas eleições presidenciais, esse governador, apoiado por uma parte interessada, pode exercer poderes revogatórios de textos constitucionais que asseguram direitos políticos!

A Nação quer saber se as próximas eleições serão válidas dentro do "estado de guerra" executado por interessados no pleito. Se a própria lei que suspende o "estado de guerra" no dia da eleição, reconhecendo que sob seu império o eleitor não pode livremente exercer a "segunda parte" do voto, que é o ato material do depósito da cédula na urna, como poderá a "primeira parte" do voto, que é a deliberação em face da propaganda, ser exercida, já não dizemos no transcurso do colapso constitucional, mas sob o arbítrio de um dos interessados na decisão das urnas?

O debate desta matéria é o que há de mais importante e de mais fundamental como antecipação de toda e qualquer atividade de propaganda eleitoral.

Pois de nada valerão todas as marchas e contramarchas dos partidos, dos governadores, dos políticos, se amanhã a Justiça vier a reconhecer a nulidade das eleições em razão das quais tanto se tem agitado a opinião publica.

Este caso do Rio Grande sugere meditações. A providência do Governo Federal atira um tema de palpitante interesse à consideração da consciência jurídica do país.

É o despertar de todos os raciocínios adormecidos ao rumor do sensacionalismo dos "fatos políticos" sem consonância com o "fato jurídico". Temos estado todos no ar, mesmo aqueles que, como os integralistas, já têm experimentado o que é o poder sem restrições nas mãos de um adversário.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 29 de Abril de 1937.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

RESSURREIÇÃO (28/03/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

RESSURREIÇÃO (28/03/1937)

Plínio Salgado

A ressurreição de Cristo encerra, na sua realidade e na sua simbologia, um ensinamento para os indivíduos e para os povos. O maravilhoso episódio evangélico demonstra que não será jamais possível a vida gloriosa, a vida imortal, a vida integral em espírito e corpo, a vida invulnerável, a vida intangível, a vida suprema em harmonia perfeita, sem que, primeiro, haja o triunfo escuro da morte sobre a vida precária, a vida falível, a vida incerta, a vida em angústia, em fraqueza, em temor.

Entre todos os mistérios que se oferecem à limitada compreensão humana, nenhum me seduz tanto, nenhum me abre um panorama mais completo dos planos universais da criação, como esse, que nos mostra, num relâmpago, a sinfonia de todos os valores e expressões do Eterno Pensamento conjugando-se com a Eterna Vontade no esplendor do Eterno Sentimento.

Na Ressurreição culmina e realiza-se a Redenção Perfeita, a Redenção, que seria incompleta, se não envolvesse a nobilitação, a santificação, a glória da Forma Material, que é, também, criação de Deus.

Quando o Arcanjo, na hora matinal, entre as brumas alvas da aurora, diz às mulheres piedosas: "Ressuscitou; não está aqui", ele anuncia o milagre cósmico, a integração absoluta do Corpo e do Espírito. A Humanidade, desde então, está realmente engrandecida sobre todas as suas misérias, e a promessa divina se cumpre, revelando ao nosso pobre corpo, a esse corpo que São Paulo dizia estar cheio de morte, a esse corpo atraído para as desarmonias das prevaricações e dos crimes, para as dores das paixões e para as misérias deprimentes, a possibilidade das afirmações gloriosas, na força plena da imortalidade e da perfeição.

A Redenção do Homem apenas em Espírito não seria completa. O Homem realiza no plano universal o milagre da integração de dois mundos: o mundo da matéria e o mundo da consciência. Entre os seres brutos e os seres espirituais, o Homem é o meridiano do Infinito, é o ser integral.

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Esta compreensão do Homem nós só começamos a tê-la, desde Cristo e desde a Ressurreição. Já não é o domínio absoluto do Corpo, o exclusivo prestígio das formas eurrítmicas na alegria pagã: e já não é, também, o abandono, o desprezo, o vilipêndio desse cântaro vivo, dessa ânfora que estremece em movimentos emocionais, levando o perfume sagrado, a essência pura do espírito imortal. É a conjunção, é o ritmo misterioso, é a harmonia suprema entre o falível que se infalibiliza, entre o perecível, que se imperecibiliza, entre o mortal que se imortaliza e o Espírito Perene.

Confirma-se a intuição pagã dos semideuses, expressão esta que supriu a deficiência do entendimento ao desamparo da Revelação. E nós aprendemos que é preciso combater a morte do Corpo para torná-lo digno do seu destino superior.

Como combater a morte do Corpo? Será preciso tomar esta frase na sua significação mais terra-a-terra, para não se compreender a esplêndida beleza do combate que nos cumpre travar. Pois quando tomamos esta pergunta no seu sentido mais profundo, então percebemos que não se trata da morte material, mas da outra, a que estabelece o divórcio entre o Corpo e o Espírito, a que dissocia o ritmo entre dois mundos, à que destrói as harmonias e proclama a luta entre as forças materiais as forças espirituais.

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Penetrando a fundo nestas palavras, entender-se-á um pouco a angústia, a aflição, a agonia do mundo moderno. A dor é parenta próxima da morte. Nós o sabemos, por experiência lancinante, quando se trata do fim da vida orgânica, do bruxuleio da existência corpórea. Nós o sabemos, também, pelos sofrimentos morais consequentes de nossos erros, E o mundo contemporâneo está cheio de dor. É a dor do ódio, é a dor das ambições, é a dor do orgulho ferido, é a dor das vinganças, é a dor das desconfianças recíprocas, é a dor da inveja, a dor do medo, é a dor da lascívia, é a dor das superexcitações da nevrose do jogo e das aventuras comerciais, financeiras e políticas, é a dor dos despojados de fé, que tiritam no frio das dúvidas, é a dor das covardias, a dor dos tédios e dos esgotamentos... Há morte no corpo do Mundo Moderno. Há morte porque há desarmonia entre a vida material e a vida espiritual.

Como combater a morte que entrou no mundo? Certamente essa morte não poderá ser com- batida sem que primeiro a combatamos dentro de nós mesmos. E que deveremos fazer? Devemos realizar em nós próprios a síntese dos ritmos dissociados Como realizá-la?

De certo não será pela fuga do mundo, pela fuga de nós em nós mesmos, pela vida contemplativa, pela negação do destino do corpo, que livraremos o mundo contemporâneo do desespero e das torturas prenunciantes da morte.

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A questão social que se põe aos olhos dos estadistas e dos pensadores não pode ser resolvida, nem pela interpretação do destino do homem segundo uma única finalidade transcendente, nem segundo uma única finalidade material. O corpo tem seus deveres para com o Espírito, e o Espírito tem seus deveres para com o Corpo.

Esse corpo, que ressurgiu arrebatado pelo próprio Deus, esse Corpo de Cristo redimiu-nos em corpo e alma. E, como se não bastasse, para nos fazer compreender o equilíbrio exato, a harmonia perfeita, a destinação segundo a Terra e segundo o Céu, Cristo, antes do episódio maravilhoso, que culminou à Redenção, reuniu-nos, em confiança e amor, e prometeu-nos a sua presença, não apenas em alma, porém, em corpo e sangue, na vitoriosa expressão divina.

E tudo isso é a lição da Vida. A vida, tão fácil de ser vivida pelos irracionais, torna-se difícil para nós, justamente porque o nosso Espírito, na liberdade plena, entre as leis do Mal que o solicitam, e as leis do Bem que o inspiram, sente-se perplexo e confuso. E, por isso, a Redenção torna-se uma regra, um roteiro, uma luz, para que possamos, dia a dia, aprender a viver.

Os Povos, porém, esquecem, cada vez mais a lição divina da Vida. Os homens estão perdidos na cerração espessa. Falta-lhes uma luz. E essa luz é tão fácil!

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"Ressurgiu; não está aqui!" Homens, lembrai-vos de que o corpo foi dignificado, foi honrado, foi reposto na sua majestade. Como permitis que as injustiças sociais levem multidões de párias à miséria do corpo, à fome, ao relento, ao desamparo na enfermidade e na velhice? Como permitis que uns percam a alma prodigalizando excessos de comodidade no corpo, e outros percam a alma, na revolta a que a conduz o corpo tiritante e oprimido?

Estadistas, políticos, intelectuais e militares, financistas e poderosos de todos os poderes, estais esquecidos de que tendes um Espírito, e que esse Espírito tem deveres para com as necessidades materiais, não apenas vossas, mas de vossos semelhantes? Como permitis que governem o mundo as leis exclusivas da matéria, da brutalidade na concorrência, da traição no comércio e na política, do ódio na luta entre opressores e oprimidos? O Estado deve ser uma expressão das necessidades do Espírito e do Corpo da Nacionalidade, de cada pessoa que compõe a massa coletiva. O Estado, como expressão corpórea, deve ser tão vigoroso, tão for- te, tão belo e tão puro, como deve ser cada corpo dos habitantes da Nação; e o Estado, como expressão espiritual, deve ser tão potente em vontade e tão iluminado em deveres, quanto cada um dos indivíduos que constituem a coletividade nacional. Esse Estado reflete a própria expressão humana, no que ela tem de realidade e finalidade, e mira-se no espelho divino do mistério cósmico de Cristo ressurreto da sua tumba, no seu glorioso esplendor.

Neste dia em que comemoramos a Ressurreição, nós, integralistas, temos o mais belo dos motivos para pensar debruçados sobre as angústias do mundo moderno e sobre a agitação da vida nacional.

Restituir à vida da Nação o sentido do milagre, eis à nossa missão histórica. Clamar para que os outros Povos se recomponham segundo o grande ritmo criador da Suprema harmonia cristã, eis nossa aspiração.

Ver o Brasil ressurreto. Ver a Nacionalidade integrada no alto sentido da vida material e espiritual - é tudo quanto desejamos, nesta nossa luta.

A lição do Evangelho é, porém, muito viva em nossas consciências. Sabemos que Cristo, triunfando da morte na morte, quis ensinar aos homens que quem quiser a vida eterna terá de passar pela morte. E a morte, para nós, brasileiros, não é por certo aquela que é menos para temer, mas o doloroso transe nacional, em que teremos de ver desfraldadas as bandeiras do separatismo, do comunismo, possivelmente ligadas no mesmo arranco materialista, oportunista, traidor, destruidor.

Aproximam-se dias escuros. Nós bem o sabemos. O mundo todo está se cobrindo daquelas nuvens que se fecharam completamente na Hora Sexta, sobre a Montanha... E a nossa Pátria já está toldada de sombras cor de chumbo. É, possivelmente, a morte, que vai passar, mas é também a Vida que vai vencer.

A Vida do Espírito Nacional, que palpita nos camisas-verdes da Pátria, e, que galvanizará, e iluminará, e porá em marcha o Corpo da Pátria, no triunfo glorioso de uma ressurreição do Brasil.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 28 de Março de 1937.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Confiança na Justiça (18/03/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Confiança na Justiça (18/03/1937)

Plínio Salgado

Quando respondi ao telegrama com que me distinguiu o sr. governador da Bahia, no ano passado, com relação à atitude que s. excia. assumiu contra os adeptos do Sigma, declarei que deveríamos confiar nas decisões da Justiça.

Durante seis meses, não fiz outra cousa senão depositar as mais vivas esperanças na retidão dos juízes da minha Pátria.

Houve momentos em que os integralistas saíram abatidos, humilhados dos tribunais, Nunca, porém, perderam a calma, porque eu lhes dizia que era preciso esgotar todos os recursos, com paciência e resignação no sofrimento.

Os 22 companheiros presos, acusados de conspiração, mostravam-se de animo elevado, dignos da camisa verde que vestiram para servir ao Brasil. Suas famílias, mães, esposas, filhinhos adorados, viveram, no sofrimento, cheios dessa esperança na magistratura do nosso país, pois toda a minha preocupação era a de transmitir-lhes esta minha íntima certeza.

Por ocasião do Congresso Integralista de Imprensa, de Belo Horizonte, escrevendo o Código de Ética Jornalística, ao recomendar que jamais os camisas-verdes se utilizassem de mentiras contra o adversário, escrevi: "A verdade pode não ter as primeiras vitórias, mas a última sempre lhe pertence".

Esta frase foi reproduzida e largamente divulgada, principalmente na Bahia. Ela foi o alimento espiritual dos rudes sertanejos, dos lares oprimidos, dos inocentes caluniados, dos justos injuriados, dos bravos ridicularizados, dos velhos, mulheres, crianças, roídos de saudade de seus filhos, de seus maridos, de seus pais. E os Integralistas, tanto da Bahia, como de todo o Brasil, não se desiludiram nunca, não se desesperaram, não se agitaram, não reclamaram, não ofenderam autoridades, não ergueram a voz contra os juízes.

Mais do que nós, mais do que os nossos brilhantes advogados, mais do que os nossos julgadores, Deus sabe o que faz. Sem sermos fatalistas, trabalhando, agindo, diligenciando conforme o preceito divino, nós bem sabíamos, nas horas mais duras, mesmo naquelas em que víamos os comunistas nos debocharem com sorrisos e palavrinhas pérfidas à nossa saída, melancólica e humilhada, dos pretórios a que recorríamos, nós bem sabíamos orar, intimamente, e com alegria interior falarmos no fundo silencioso de nossas almas: "seja feita a vossa vontade, Senhor!”.

Para lograr mais rapidamente a liberdade de nossos companheiros, impetramos certas medidas que, agora, verificamos, não seriam tão vitoriosas, de significação tão profunda, de efeitos tão vastos e de expressão moral tão elevada, como a decisão de ontem do Tribunal de Segurança Nacional.

Nossa primeira preocupação foi impetrar um "habeas-corpus" perante s. excia. o sr. Juiz federal da Bahia. Tivemo-lo denegado, em razão da incompetência alegada pelo digno magistrado.

Subimos à Corte Suprema. Nossos eminentes advogados, professores Alcibíades Delamare e Barreto Campello ali compareceram соm uma petição notável, com a qual tudo esperávamos. Mas a Suprema Corte não tomou conhecimento do pedido, por ser o caso da alçada do Supremo Tribunal Militar.

Fomos ao Supremo Tribunal Militar. Com que esperança! Os comunistas acompanhavam nervosamente a decisão da sorte de nossos 22 companheiros presos, aqueles 22 homens que mereciam todo o seu ódio, pois representavam duzentos mil baianos que se tornaram a barreira contra as investidas do Soviete.

Os ilustres magistrados do Supremo Tribunal Militar negaram-nos o "habeas-corpus", por quatro votos contra três, sendo estes dos juízes Barros Barreto, Ribeiro da Costa e Alvaro Mariante, aos quais seremos eternamente gratos, embora respeitemos e acatemos os votos contrários a nós, porque respeitamos e acatamos os juízes do Brasil.

Um segundo "habeas-corpus" nossos incansáveis advogados impetraram perante o mesmo Tribunal. Perdemo-lo, nas mesmas condições. Os jornais amarelos, dissimuladas patrulhas do sovietismo rubro, exultaram, Não houve, porém, de nossa parte, na palavra, um gesto contra a Justiça. Cumpre-me aqui elogiar um milhão de Integralistas, que foram irrepreensíveis. Por maior que fosse o respeito pela minha palavra de ordem, tratando-se de uma massa humana, poderia algum companheiro mais exaltado proceder no auge do desespero, de modo deselegante, em desacordo com a doutrina que pregamos Mas não registrei um caso sequer dessa natureza. Também as famílias dos presos poderiam afligir-se, afligindo-me, mas essas dignas patrícias, as baianas de têmpera, souberam poupar esse desgosto ao Chefe e aos companheiros. Cada vez mais animadas, mais firmes, mais resolutas, não as atemorizaram a perspectiva de mais longo suplício.

Fracassados no Superior Tribunal Militar, voltámos à Corte Suprema, Nossa esperança foi enorme. As demonstrações públicas das autoridades federais, a nosso respeito, evidenciavam que o governador da Bahia não agira como delegado do Poder Central, como executor do "estado de guerra". Estávamos certos de que iríamos obter o "habeas corpus".

Os ilustres magistrados que compõem a Corte Suprema negaram-nos, porém, o "habeas corpus". Por unanimidade, deixaram de entrar no mérito da questão, pelo fato de estarmos em "estado de guerra".

Nosso advogado, o professor Alcibíades Delamare, produzira uma belíssima sustentação oral, com aquela cultura que nele, admiramos, e aquela vibração que faz dele um dos mais exaltados patriotas.

Lembro-me bem da tarde em que ele me deu a notícia, em meu gabinete, do resultado que acabrunhara tanto os integralistas, principalmente por que os comunistas tinham estado, firmes, à saída do Tribunal, para cobrir de ironias, de risinhos soviéticos os brasileiros que vestiram uma camisa verde com o objetivo de morrer se for preciso, para evitar que a nossa Pátria seja escravizada pelos bolchevistas de Moscou.

O nosso patrono admirou-se do sorriso de calma absoluta com que recebia a notícia. É que intimamente eu estava certo que as coisas tinham de ser assim. Era preciso que fossem assim.

Fui levar a notícia desconsoladora aos companheiros que já haviam sido transportados da Bahia, a pedido nosso dirigido ao Tribunal de Segurança Nacional, para o Quartel do Regimento de Cavalaria da Brigada Militar Eles a receberam também, com aquela expressão de serenidade, direi mesmo de alegria, com que os integralistas recebem as dores que Deus lhes manda, como resgate da felicidade da sua Pátria. Esses homens e, principalmente suas famílias, foram admiráveis durante os seis meses de prisão sofridos pelo Bem do Brasil.

Restava-nos o Tribunal de Segurança Nacional. O processo volumoso viera da Bahia para as nobres mãos desses Juízes-mártires, desses juízes- salvadores-da-Nação, desses magistrados da República diariamente ofendidos por uma potência estrangeira, cujos asseclas repetem como um estribilho a inconstitucionalidade do Tribunal, cuja missão é justamente por a salvo a Constituição, a República, as Tradições da Pátria dos assaltos dos que em novembro tentaram destruir esses patrimônios da Nacionalidade.

O volume de processo não nos assombrava, porque os documentos que o compunham eram montes de papéis timbrados da Acção Integralista, pacotes de fichas que todo o mundo no Brasil conhece, declarações de 22 presos, de testemunhas inócuas, cartas altamente patrióticas de integralistas inquietos pelas manobras bolchevistas. Acusados de uma conspiração "de grande envergadura", lá estava o rol das armas arrecadadas em centenas de devassas em Sedes de partido e casas particulares: 1 espingarda de caça, um revólver H. O. com seis balas, uma pistola velha... Estas coisas nos tranquilizavam.

Mas, o que mais nos tranquilizava era o valor moral dos Juízes do Tribunal de Segurança Nacional. Juízes de uma hora de exceção na vida do Brasil. Juízes que se tornam alvo natural dos inimigos da Pátria. Juízes que têm sobre seus ombros, não interesses comuns à vida normal do país, mas interesses supremos da Nação numa fase anormal da História. Juízes que, diariamente, estavam demonstrando ao Povo a sua energia, a sua serenidade, a sua alta dignidade. Nós tínhamos de confiar nesses Juízes.

Confiamos. Esperamos. Tranquilamente. Deus falou pela voz desses magistrados.

A liberdade ora concedida aos nossos companheiros da Bahia tem uma significação muito maior, muito mais grave, muito mais importante para os próprios destinos do Brasil.

Ela não é uma consequência eventual de uma ordem de "habeas corpus", que poderia ser concedida em razão de formalidades não cumpridas, ou de interpretação de competências, ou da natureza do mandato da autoridade coactora. Ela é um resultado imediato da apreciação de um volumoso inquérito. Ella é emanada do Tribunal que se torna a fonte mais legítima neste momento das outorgas de dignidade nacional, de correção em face do "estado de guerra", de significação política, de caráter moral.

Libertados pelos outros tribunais, também dignos, e que nós integralistas respeitamos, os companheiros da Bahia ainda poderiam ter sobre si o peso, ou pelo menos uma leve nuvem de suspeita sobre seu procedimento. Mas, postos em liberdade pelo Tribunal de Segurança Nacional, o Povo Brasileiro fica sabendo que tudo quanto temos dito em nossa defesa e que tem sido, aliás, confirmado pelas mais altas autoridades federais, como o sr. ministro da Justiça e o sr. presidente da República, encontra base indestrutível em motivos que servem de alicerce à patriótica e nobre decisão da Justiça Especial.

Tiveram razão os integralistas em confiar nos Juízes do Brasil. Tive eu razão quando, respondendo ao telegrama com que me distinguiu o sr. governador da Bahia, declarei esperar tranquilamente o julgamento final do caso já famoso da conspiração de S. Salvador.

Nós continuaremos assim. Jamais perderemos a calma. Jamais deblateraremos. Jamais nos desesperaremos. Com a lei, pela lei, para a lei. Com a Constituição, pela Constituição e para a Constituição. Confiando na Justiça, esperando tudo da Justiça, dirigindo-nos à Justiça e tudo fazendo pelo prestígio da Justiça, prosseguiremos nossa marcha, que visa à grandeza do Brasil.

Podem os camisas verdes de toda a imensa Pátria trabalhar com ardor pela sua causa. Quando houver arbítrios de autoridades, haverá um Juiz ao qual se possa recorrer. Quando esse juiz falhar, há os tribunais. Quando não houver nem juízes nem tribunais, então é porque tudo acabou, e urge agir pelos meios que habitualmente condenamos.

Isso, porém, decerto, jamais se dará. Porque, para honra do Brasil, há juízes no Brasil da envergadura de um Barros Barreto, um-Costa Netto, um Raul Machado, um Pereira Braga e de um Lemos Bastos.

Com juízes de tão alto patriotismo e de tão grande saber, honestidade e retidão, os que amarem a Pátria não precisarão ser extremistas para manifestar o seu apoio à Nação e salvá-la nas horas perigosas.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 18 de Março de 1937.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

CARTA A CASTRO ALVES (17/03/1937)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

CARTA A CASTRO ALVES (17/03/1937)

Plínio Salgado

Não sei onde estás, Castro Alves, se naquela estrela que resplandece no crepúsculo, ou na luz do Cruzeiro, ou na estrada de faiscante poeira da Via Láctea, onde caminhas, sentindo o infinito e contemplando maravilhosas maravilhas... Talvez estejas hoje na onda verde do mar da nossa terra, na esteira do "barco ligeiro" "que semelha no mar doido cometa"... No murmúrio do vento, talvez?... No pampeiro que varre a coxilha, no saveiro das praias que amaste, nos mosforós que cantam nas chapadas esbraseadas?...

Eras bem o Brasil; deves estar, por certo, nos cantos misteriosos que sobem das florestas; no rumor ignorado das selvas, no desabrochar das flores; no ruído sutil dos insetos doirados e no tatalar das azas das borboletas...

Este ar fino, que perpassa acariciando as palmas dos coqueiros, nesta tarde abrasada de março, e que traz as perfumes silvestres, parece que me diz que estás hoje, no dia do aniversário do teu nascimento, em toda a carta geográfica da Grande Pátria.

Estás hoje, pois que te evocamos, nesta delicada emoção que vibra no íntimo da nossa sensibilidade; estás nesta nossa inquietação; estás nesta nossa amargura como estás em nossa mais decidida esperança.

Ao dedilhar a máquina em que celebro o teu aniversário, há vibrações misteriosas no meu ser. Tenho a impressão viva e forte de que a tua alma espera de mim, não um artigo para o público, a teu res peito, mas uma carta para o teu coração, a respeito do Brasil.

Há poucas horas, estive relendo as tuas poesias, Poeta dos Escravos, poeta da selva americana, poeta do Brasil. Li e reli, muitas vezes, estes versos tão oportunos, nestes dias de hoje:

Existe um povo que a bandeira empresta

p'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!

E deixa-a transformar-se nessa festa

em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta

que impudente na gávea tripudia?

Silêncio, Musa, chora e chora tanto

que o pavilhão se lave no teu pranto!

 

Auriverde pendão da minha terra,

que a brisa do Brasil beija e balança!

Estandarte que à luz do sol encerra

as promessas divinas da esperança...

Tu, que, da liberdade, após a guerra,

foste hasteado dos heróis na lança,

antes te houvessem roto na batalha,

que servires a um povo de mortalha...

Esses teus versos são proféticos, ó Poeta iluminado! Não o sabias, quando os escrevestes. Horrorizava-te a só ideia de que a Bandeira querida, a Bandeira da Pátria pudesse servir de mortalha a um povo estrangeiro, ao povo africano.

Entretanto, nos dias de agora, o auriverde pendão da nossa terra, em muitos lugares do Brasil, está servindo de mortalha para si mesmo... Ha brasileiros que se servem dele para se escudarem, para combaterem os legítimos defensores da Pátria. Há brasileiros secretamente mancomunados com estrangeiros, para escravizar os seus compatriotas, apontando-os como inimigos do pavilhão sagrado.

Há homens que juraram servir à Bandeira do Brasil e que traem o juramento, usando das armas que a Nação lhes confiou para matar seus irmãos e ferir traiçoeiramente a soberania da Pátria, que eles pretendem subordinar aos bárbaros de Moscou.

Há filhos deste país que, ocupando cargos públicos, servem-se da autoridade desses cargos para favorecer aos invasores e para perseguir os defensores da dignidade nacional.

E tudo se faz em nome da Bandeira, pela Bandeira, para a Bandeira, com a Bandeira, em razão da Bandeira, sob pretextos, sob desculpas, sob sofismas arquitetados em torno da Bandeira.

A farda, que é uma continuação do pano sagrado da Bandeira, a farda que deve ser enaltecida, cultivada, muitas vezes cobre peitos em cujo recesso há corações que premeditam o assassínio de surpresa de camaradas leais, fieis ao pavilhão sagrado do Brasil. Em novembro de 1935, a nossa querida Bandeira presidiu ao drama doloroso em que vimos soldados do Brasil se apresentarem como soldados de uma potência estrangeira, matando criminosamente os bravos defensores da dignidade, da independência e da liberdade de um Povo.

Restou-nos o consolo de verificar que o Exército Nacional soube defender a Bandeira da Pátria contra os que tramaram nas sombras de suas próprias casernas.

No entanto, esse episódio trágico não serviu nem de lição, nem de aviso. Os políticos continuam dividindo a Nação, como se nada tivesse acontecido. E o Brasil continua ameaçado.

Se ressuscitasses, Poeta, o teu horror seria mil vezes maior do que aquele que te inspirou o poema do "Navio Negreiro". Se soubesses, que brasileiros separatistas ridicularizam a Bandeira Nacional, cultuando as bandeiras das suas regiões! Se soubesses que uma tarde, em Campos, a Bandeira Nacional foi atirada na sarjeta, sendo dali levantada pelos camisas-verdes, que a trouxeram ao Rio, fazendo-a desfilar, pelas mãos de um nobre operário, à frente de uma passeata realizada como reparação! Se soubesses que na tua terra, na Bahia, a Bandeira Nacional foi enxovalhada, sendo também levantada da sarjeta onde jazia, pelas mãos desses mesmos camisas-verdes, que Ievaram, triunfalmente, por entre as aclamações de uma multidão revoltada! Se soubesses que, algum tempo depois, esses camisas-verdes eram compelidos por lei, a fechar as organizações militarizadas que tinham com o fito exclusivo de defender a Bandeira da Pátria na esfera da vida civil, em cooperação com as Forças Armadas do país! Se soubesses que inimigos do Brasil, míseros patrícios nossos rendidos ao Soviete, participantes da traição de novembro, com a máscara de liberais-democratas, defensores da Bandeira Nacional, conspiram contra essa mesma Bandeira, maquinando a destruição dos camisas-verdes que a sustentam e por ela se sacrificam! Se soubesses que na tua Bahia, esses camisas-verdes - os únicos defensores civis da dignidade, da prioridade, da unicidade, da imortalidade, da glória da Bandeira verde-amarela, foram presos, perseguidos, oprimidos, proibidos de cantar o Hino da Pátria, de erguer o braço nessa saudação condoreira, tão ao gosto do teu estro e tão ao gosto da tua Bahia, quando passa a Bandeira traída, a Bandeira ofendida, a Bandeira iludida, a Bandeira humilhada!

Sabes, Castro Alves, que no Brasil há uma corrente de brasileiros que se subordina a banqueiros ingleses, outra a banqueiros americanos, outra ao Soviete russo, outra à maçonaria internacional, e que todas essas correntes já não possuem nenhum sentimento de verdadeiro amor ao Brasil?

Sabes que o território brasileiro está sendo, dia a dia, distribuído entre estrangeiros: que em Mato Grosso impera uma companhia argentina numa vastíssima área: que no Amazonas dominam os americanos do norte numa amplíssima concessão, e os japoneses numa dilatada sesmaria? Que no Paraná uma grande porção do território pertence a ingleses? Que em Minas, preparam-se concessões enormes a serem dadas estrangeiros, para que explorem o nosso ferro? Que as quedas d'água do Brasil estão todas em mãos adventícias? Sabes, Castro Alves, que a maravilhosa Cachoeira de Paulo Afonso, que cantaste, aquele gigante cujo "mugido soturno rompe as trevas", não pertence mais ao Brasil?

Sabes que estamos endividados e escravizados; que estamos divididos por mesquinhas lutas políticas; que estamos nos enterrando no lodo de um torpe materialismo? Sabes que o caboclo do Brasil se encontra desamparado, doente, roído de maleita, de verminose, sem nenhum conforto e sem nenhum amparo, enquanto o colono estrangeiro é protegido, estimulado, favorecido?

Que significa a cena do "Navio Negreiro" diante desse espetáculo da autodestruição de um Povo?

Se vivesses hoje!

Verias as últimas reservas das energias nacionais se levantarem e escutarias a perversidade cínica dos que tripudiam sobre as angustias de um Povo, apontá-las como inimigas da ordem. Verias milhares de sertanejos da tua Bahia se erguerem, para salvar o patrimônio das tradições nacionais e verias esses sertanejos, em nome da própria Bandeira Nacional, serem sufocados e reduzidos ao silêncio, a fim de que os políticos pudessem agir livremente e rolar pelo declive da desgraça arrastando o Brasil...

Que poema escreverias! Que formidável poema!

Quando presenciasses o sofrimento dos verdadeiros brasileiros, dos verdadeiros defensores da Bandeira Verde-Amarela, dos verdadeiros campeões da Unidade da Pátria; quando visses a Justiça, de braços cruzados, sob a égide do Pavilhão Sagrado; quando visses os chamados homens de responsabilidade, completamente indiferentes à sorte dos mártires, sob o patrocínio do Pendão auriverde; quando visses os comunistas rirem das prisões e dos vexames padecidos pelos camisas-verdes que foram condenados por Dimitroff, em Moscou; quando visses os patriotas ridicularizados, injuriados, caluniados, esquecidos, vilipendiados, encarcerados, muitos espancados, com os lares varejados, com os direitos de cidadania suspensos arbitrariamente e tudo isso em nome da Bandeira, pela Bandeira, a pretexto da Bandeira, levado à cena da História pelos traidores da Bandeira, pelos impostores da Bandeira, pelos assassinos da Bandeira, então, Castro Alves, repetirias com mais ardor, com mais emoção, os teus versos sagrados e proféticos:

Auriverde pendão da minha terra

que a brisa do Brasil beija e balança.

Estandarte que à luz do sol encerra

as promessas divinas da esperança!

Tu, que da liberdade após a guerra

foste hasteado dos heróis na lança,

antes te houvessem roto na batalha

que servires a um povo de mortalha

Mas, Castro Alves, nesta conversa que estou tendo contigo, te direi: nem roto na batalha, nem mortalha de um Povo será o auriverde pendão, que tanto amaste. Aqui estamos, camisas-verdes do Brasil. Chegamos a tempo. Nada nos destruirá. Força alguma nos deterá. Estamos alerta. Um dia faremos desse auriverde pendão da nossa terra a expressão da maior força, da maior civilização da América.

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 17 de Março de 1937.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Recordações (28/02/1936)

 

Esclarecimento: A publicação do Artigo abaixo só foi possível graças à generosa colaboração do Prof. Paulo Fernando, conhecido Líder Pró-Vida, profundo pesquisador da História do Brasil, possuidor da maior Pliniana existente, que nos permitiu o acesso a sua Hemeroteca; e, atualmente, é Deputado Federal pelo Distrito Federal. Aos que desejarem conhecer mais o trabalho do Prof. Paulo Fernando indicamos: https://www.instagram.com/paulofernandodf/

Recordações (28/02/1936)

Plínio Salgado

Quando o nosso navio, que vinha do Norte, entrou nas águas mansas do porto, pelas dez horas da manhã, um grande sol fulgia, num grande céu azul, pondo cintilações nas vidraças do casaréu espalhado pelas encostas verdes dos morros.

Passávamos junto ao Penedo, enorme bloco de pedra plantado como fiel sentinela da cidade de Nossa Senhora da Vitória; ao longe, garça branca pousada na rocha emergente da vegetação, a igreja da Penha olhava o mar alto, como que escutando os murmúrios de Vila Velha e os segredos das ondas.

- Lá vêm eles! São eles! Exclamou o Thiers, apontando-me uma lancha que se movia, por entre botes, barcaças, cascos de navios mercantes e veleiros, cheia de camisas-verdes.

Debruçamo-nos sobre a amurada de prôa. Um vivo alvoroço nos sacudia. Íamos ter notícias do nosso Movimento. Íamos dar notícias do que viramos, do que fizéramos. Havia em nós um desejo ardente de contar as nossas aventuras numa viagem audaciosa, sem recursos, quase a mercê da sorte, pelos sertões do Nordeste e pelas capitais das Províncias que transitáramos.

A lancha aproximava-se. Trazia na prôa uma flâmula azul e branca, a nossa flâmula. Estava cheia de camisas verdes.

A primeira figura que vimos foi a de Arnaldo Magalhães, com seu sorriso bom, seus gestos pausados, seu idealismo brilhando através dos óculos. Junto dele, distinguimos logo Madeira de Freitas, que trazia um ar de triunfo.

Nesse tempo ainda não havia o “anauê”, palavra que foi lançada pouco depois, em Niterói, por iniciativa de Lacerda Nogueira, e que se alastrou por todo o país. Erguemos, porém, nossos braços(eu, Thiers, Aristophanes e Hermes) respondendo a saudação dos 19 camisas-verdes da lancha.

Em terra, encontrei Gustavo Barroso. Ele e Madeira tinham vindo por estrada de ferro a fim de me esperar em Vitória. Unidos profundamente pelo ideal sagrado, esses dois companheiros já haviam agitado a Capital espírito-santense, fazendo discursos e conferências.

A nossa última noite em Vitória, depois de três dias inesquecíveis, constituiu uma consagração popular da ideia nova. No meu discurso declarei que realizaria na capital capixaba o primeiro Congresso Nacional Integralista.

*

Estávamos no ano de 1933. A primeira marcha de camisas-verdes dera-se no dia 23 de abril desse ano, em S. Paulo, se bem que o Manifesto de Outubro houvesse sido lançado em 1932. Em maio fundáramos o Integralismo no Rio e em Niterói. A Bahia, o Ceará e Pernambuco já tinham seus pequenos Núcleos. Em Santa Catarina só havia os Núcleos de Itajaí e Canoinhas; no Rio Grande do Sul, apenas Erechim; em Minas Gerais somente Teófilo Ottoni. E nada mais.

Foi em Julho que segui para o Norte, com a notícia que de que em Natal já um grupo de integralistas se organizava. Lancei a semente em Alagoas, na Paraíba. Consolidei o Movimento em Bahia, Pernambuco, Ceará, fiz a ideia chegar em Sergipe. Nessa mesma ocasião, organizou-se o primeiro Núcleo em Mato Gross. O Maranhão foi conquistado a bordo do navio em que eu viajava. No Amazonas e Pará o companheiro Giudice lançara as primeiras pedras do alicerce que, mais tarde, Gustavo Barroso consolidaria.

Essa era a situação geral do Integralismo, quando prometi, em Vitória, a realização, no ano seguinte, do Primeiro Congresso Nacional da “Acção Integralista Brasileira”.

Nosso regresso de Vitória foi por terra. Pernoitamos em Campos. Falámos no dia seguinte na escola Normal e, à noite, no salão da Associação Comercial. Uma multidão cantava o Hino Nacional, quando partimos da cidade goitacá, rumo ao Rio.

*

Aqui, Everaldo Leite nos aguardava com uma surpresa: os primeiros cem homens uniformizados, de camisa-verde, sob seu comando. Everaldo, desde então, ficou sendo o “centurião” Everaldo. Realizou-se o primeiro desfile na Capital da República.

Tanto no Rio, como em Niterói, o Movimento crescera regularmente. Fui para S. Paulo; ali, duas centenas de camisas-verdes me receberam na estação e me levaram ao bairro proletário da Moóca, onde o acadêmico Pimenta fez um discurso.

Os preparativos para o Congresso continuaram o resto do ano. Em dezembro, fixamos a data: 28 de fevereiro de 1934.

Quando chegou fevereiro, já o Integralismo em Guanabara estava instalado na rua 7 de Setembro, com muito mais conforto do que na saleta da rua Rodrigo Silva. Devíamos esse melhoramento à iniciativa de Sérgio Silva.

O incansável Madeira falava, sem cessar, pelos bairros e fundava os primeiros Núcleos da Província. Era uma obra de paciência, de dedicação extrema, de sacrifício, de tenacidade, da qual o Integralismo jamais poderá esquecer.

*

Regressava, por esse tempo, do Norte, Gustavo Barroso, que levara a sua “Bandeira” até Belém do Pará. Os serviços prestados ao Movimento por Gustavo Barroso foram enormes. Viajaram em sua companhia Miguel Reale, Loureiro Junior, Herberto Dutra e Mário Brasil. Desde então, Gustavo entregou-se de corpo e alma à propaganda do Sigma. Tornou-se uma espécie de Raposo Tavares dos grandes “raids” pela carta geográfica do Brasil. Começou, ao mesmo tempo, a produzir livros, dedicando-se especialmente ao estudos das explorações que contra nós tem exercido o capitalismo internacional. Esse trabalho intenso desenvolvido por Gustavo, através da palavra falada e escrita, está integrado definitivamente na história do Integralismo.

*

O nosso movimento tem sido o milagre realizado pelas dedicações de seus adeptos. Entre estas, devemos assinalar o esforço de Victor Pujol. Só eu sei o que lhe custou, o que lhe tem custado, a publicação, desde o início do Movimento, do “Monitor”. A unidade absoluta de normas, a uniformidade que verificamos em todos os Núcleos do país, o registro de todos os nossos passos, de todas as resoluções e atos da Chefia Nacional, nós devemos ao “Monitor”. E foi através do nosso órgão oficial que foram transmitidas todas as ordens para a realização do Congresso de Vitória.

Miguel Reale, por esse tempo, já era um grande valor, uma alta expressão do nosso Movimento. Ele trazia o sentido da revolução social, o império da juventude nova, que escandalizava a juventude velha e caudatária dos partidos. Publicara o seu livro "O Estado Moderno", com vinte e três anos de idade, livro que fez notável sucesso, tanto no país, como no estrangeiro. Quanto a Jehovah Motta, ele encarnava a mensagem viva do Nordeste, interpretando, por uma fatalidade geográfica, a aspiração da grande massa brasileira. Exprimia, por outro lado, o estado de espírito das modernas gerações militares, o doloroso complexo do Exército Nacional. De Minas, vinha Olbiano de Mello, com o sentido sindicalista e a inspiração nacionalista que o ligara a min, desde 1931.

Na hora dos trabalhos preparatórios do Congresso, aqui, no Rio, tive duas revelações, como capacidade de trabalho: Everaldo Leite e Loureiro Junior.

Everaldo apresentou-se aos meus olhos, como o mágico de toda a estruturação do grande Movimento. Inteligência viva, pronta no perceber meus pensamentos, ele os realizava com uma precisão extraordinária e com uma rapidez notável. Elucidava-me a respeito de pormenores, explicava-me com clareza certos aspectos da organização, Foi ele quem esquematizou todos os departamentos mais tarde transformados em secretarias, A Província de S. Paulo indicou-me, para meu auxiliar na Secretaria do Congresso, o seu Secretário Provincial Loureiro Junior, que conheci como orador, quando ofertou a bandeira Integralista que S. Paulo enviava à Guanabara. Eu não o conhecia ainda como "trabalhador" e foi nas noites em que vimos muitas vezes raiar a madrugada, debruçados sobre máquinas de escrever, que avaliei sua capacidade de produzir praticamente.

Aquelas noites que precederam o Congresso de. Victoria, e que passamos na rua Sele de Setembro, entre xícaras de cafés e fumaça de cigarros, dedilhar de máquinas diligentes, várias mesas onde varias comissões trabalhavam, e os meus passos, de um lado para outro, despertam-nos hoje uma vis saudade. Não me esqueço a última noite d'aqueles serões preparatórios. Estavam todos esfalfados, pela repetição do árduo trabalho noturno. O dia todo fora de uma atividade incrível, de modo que que ninguém pudera descansar minutos fossem. Quando chegou a madrugada, um por um foi capitulando, estendendo-se pelas cadeiras. Os últimos a se deixarem vencer incumbiram Reale de me falar trabalhava em nome dos exaustos. Enquanto eu trabalhava com Loureiro, na sala próxima, eles combinaram até a frase que deveria Reale dizer. Mas o orador estava tão morto de sono, que, em vez de repetir a fórmula ensaiada, que era "Chefe, os companheiros pedem que o sr. tenha pena de si mesmo", exclamou, com os olhos pesados: "Os companheiros pedem que o sr. tenha pena de nós". Foi uma risada geral da "comissão", que, afinal, viu raiar o dia. Estava tudo pronto, Embarcaríamos à noite.

*

Na estação da Leopoldina, o Brasil encontrou-se consigo mesmo, Minha emoção era profunda. Todas as Províncias mandavam seus representantes Alguns ainda viriam por mar, diretamente a Vitória. Mas ali estavam, para embarcar, S. Paulo, Minas, Ceará, Pernambuco, Guanabara, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiáz, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro.

Jehovah Motta pergunta-me:

- Hoje é um grande dia para o sr., não é?

- Sonhei com este dia, longos anos, respondi-lhe.

E, no vagão alegre e cordial, eu tinha a impressão de que levava a minha Pátria.

Viajamos toda a noite e todo dia seguinte, Na estação de Domingos Martins, tivemos uma surpresa: um grupo de camisas-verdes veio saudar-nos. A noitinha, chegámos a Vitória. Não se descreve o entusiasmo dos camisas-verdes capixabas, quando, na sede local, exclamei: - "Aqui estou; venho cumprir a minha palavra: realizar o primeiro Congresso Nacional Integralista na vossa cidade".

 Espalharam-se pelos hotéis de Vitória os representantes de todas as Províncias. Algumas, como S. Paulo e Guanabara, enviaram grandes representações.

Realizamos sessões consecutivas, dia e noite, durante os dias 28, 29 de fevereiro e 1 de março. Os trabalhos em plenário eram dirigidos por Olbiano de Mello. Todo o peso dos serviços de secretaria ficou sobre os ombros de Everaldo Leite, que continuava a ser o realizador notável. As comissões revezavam-se, sob minha orientação. Nas caladas da noite, eu e Loureiro trabalhávamos e prolongávamos nossas atividades até ao romper da aurora, momento em que tomávamos uma lancha com Madeira de Freitas e íamos até ao mar alto. Regressávamos para o início das sessões ordinárias, Foi, assim, tudo estudado, discutido, resolvido: os Estatutos, os regulamentos, os protocolos.

Todos trabalhavam com vibrante emoção, Uma alegria íntima iluminava todos os semblantes. O povo de Vitória cercava os congressistas de gentilezas carinhosas: eram almoços, jantares, passeios, recepções. Aquilo tudo numa paisagem maravilhosa, porque Vitória é um presépio encanador.

Parece que estou vendo os companheiros Thompson, Padilha, Jehovah, Mayrink, Jayme Ferreira, Vieira da Silva, Corbisier, Angelo, Guedes, Stella, Andrade Lima, Osolino, Santos Maia, Graziano, Iracy, Leães, Moacyr Pereira, Jaqueira, Marcelino, Mello, Queiros Ribeiro, Pujol, Alpinolo, Finkenauer, Matrangula e tantos outros, inclusive a volumosa e bela representação capixaba, na sala de nossos trabalhos, nas mesas dos restaurantes, nas ruas de Vitória, vibrantes de alegria e de entusiasmo.

Em Vitória, julguei terminada a minha missão de fundador e de organizador, e entreguei, de surpresa, aos congressistas, a Chefia do Movimento, a fim de que eles decidissem sobre quem deveria continuar a comandar os camisas-verdes.

Arnaldo Magalhães assumiu a presidência da sessão  e durante alguns momentos foi chefe da A.I.B. O caso já havia sido resolvido, de antemão, pois todos previam que eu iria assumir aquela altitude. Arnaldo deu a palavra a Olbiano de Mello o qual leu uma Proclamação assinada pelos representantes de todas as Províncias, na qual me impunham a Chefia do Movimento. Tive de me curvar, por disciplina, até que um dia eu pudesse fazer nova consulta. quando a Integralismo fosse uma grande força nacional. Essa consulta fiz o ano passado no Teatro João Caetano e novamente me foi imposto este lugar, lugar que eu não quero dizer se é de sofrimentos ou de alegria, pois só Deus pode ler na minha consciência.

Talvez que uma e outra coisa se conjuguem. Mas só Deus entende estas coisas tão delicadas e tão profundas...

O dia 28 de fevereiro, dia da instalação do Congresso de Vitória foi por mim declarado naquele ano "o dia da vigília da Nação". Em todos os Núcleos integralistas do país, os camisas-verdes repetiram as mesmas palavras, na mesma hora.

Hoje, comemoramos mais um aniversário do grande acontecimento. O Integralismo já é uma força no Brasil. Já realizou muito. Já se impôs à benemerência pública. Já sofreu. Já perdeu vidas preciosas no combate ao comunismo. Já se alteou como um movimento de cultura e se aprofundou como uma revolução das almas.

Tendo diante de meus olhos, no dia de hoje, o pergaminho que o companheiro Thompson carinhosamente desenhou, nele escrevendo o texto da proclamação de Vitória, que me fez Chefe do Sigma.

Esse documento é o símbolo e a síntese do meu destino....

Publicado originalmente n’A OFFENSIVA, em 28 de Fevereiro de 1936.